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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Nossos olhares perante a urgência da acessibilidade cultural

Há 28 anos trabalhamos com teatro de bonecos no Brasil e a todo momento vivemos situações inesperadas que envolvem desde a concepção de nossas obras de artes até sua chegada ao destino final: o público.

E é justamente nesse lugar de público onde mais nos aprofundamos em nossas pesquisas, levantando questões aparentemente "simples, mas que nos levam a questionar: Será que as pessoas estão realmente entendendo a mensagem do espetáculo?

A partir desse questionamento cresceu a nossa vontade de sermos uma Cia atenta a tudo que envolve inclusão, buscando trabalhar com um teatro de bonecos em que as pessoas se sentissem incluídas, no jogo dramático e na dramaturgia com interatividade espontânea, que é uma das principais características do boneco popular do nordeste do Brasil.

Algumas situações, neste sentido, nos trouxeram experiências onde percebemos que não tínhamos preparação suficiente para atender a diversidade de pessoas que nos chegavam - um desafio.

Inicialmente, ainda nos anos 90, tivemos uma boa provocação: recebemos em nosso espaço um grupo de pessoas com deficiência visual (crianças, jovens e adultos), que nos mostraram caminhos para acessibilidade cultural.

A partir daí fomos em busca de ajuda no Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha - ICPAC e, através de conversas e orientações com o professor Marcos Silva e pessoas cegas atendidas pelo Instituto, realizamos nossa segunda ação de acessibilidade cultural, onde levamos um espetáculo de "teatro de bonecos" para dentro da Instituição, porém já adaptado para o público com uma ação sensorial anterior a apresentação teatral.

Esta atividade gerou frutos: um artigo acadêmico intitulado "Patrimônio Inclusivo - Uma experiência dos sentidos" e um registro audiovisual disponível em : 


Com o passar dos anos muita coisa mudou e o que era uma inquietação foi se consolidando como uma dinâmica de estudos sobre o assunto. Mas facilidade nunca foi imperativa neste percurso, pois estruturalmente, nosso País ainda trata de forma errônea e preconceituosa tudo o que envolve a inclusão cultural; uma lástima para todos em geral mas, principalmente, para as minorias necessitadas de assistência (pessoas com deficiência, idosos, negros periféricos, quilombolas..).
Atualmente estamos trabalhando para que nossas ações e projetos tenham mais acessibilidade e promovam a inclusão, haja vista, que nem sempre uma ação possuidora de um equipamento de acessibilidade tem a capacidade de torna-la inclusiva. Observamos isso durante nossos cursos de formação ( Acessibilidade Cultural - ESCULT/MINC; Libras em contexto; Introdução a libras - FUNAD), onde ouvimos depoimentos de pessoas com deficiência que relatavam a dificuldade delas em relação à estrutura e, principalmente, à comunicação nos equipamentos culturais, como por exemplo: uma divulgação de espetáculo de teatro sem recursos de descrição ou Audiodescrição.

Então, como fazer para que as pessoas com deficiência saibam que há recursos de acessibilidade disponíveis em determinada atividade cultural? Quais são os canais de divulgação usados parlas pessoas surdas, por exemplo? Como usar a tecnologia de forma funcional nesse processo de inclusão e acessibilidade cultural?

Para encontrar respostas para estas questões aprendemos que precisamos ouvir mais e sentir mais, na busca de trabalhar a partir da escuta do outro e entendendo a importância de se compreender as dimensões da inclusão a partir das percepções de uma pessoa com deficiência.

Como prática, retornamos ao Instituto dos Cegos da Paraíba para mais orientações com professor Marcos Silva - coordenador pedagógico da Instituição e umas das coordenadoras da área de cognição. Um momento de aprendizagem importantíssimo, onde avançamos e fomos convidados para uma experiência: realizar uma contação de histórias para crianças com deficiência visual, sindrome de Down, TEA - Transtorno do espectro autista e seus familiares.





Após essa vivência enriquecedora e emocionante, a equipe pedagógiga da Cia Boca de Cena decidiu trabalhar para que aquela contação de histórias chegasse ao maior números de crianças. Assim lançamos no canal do YouTube da Cia a contação de histórias inclusiva (com libras e audiodescrição) chamada "O Pato Chulipa", disponível
em: https://youtu.be/igd6vCoonbA?si=-0jyppHKt3cvtvig



Neste tocante buscamos levar nossos trabalhos a lugares onde o poder público é ausente, seja em áreas rurais ou urbanas. Destacamos nesta área o projeto: "Benedito e João Redondo pelas ruas das cidades" que percorreu mais de 30 municípios paraibanos levando apresentações de teatro de bonecos, trocas de saberes com mestres bonequeiros, além de formação cultural com oficinas e cursos sobre produção e patrimônio cultural nas comunidades periféricas.
A realidade atual nos mostra um cenário preocupante que aponta para a necessidade de desenvolver um trabalho de educação patrimonial nas comunidades a fim de mantê-los vivos para as futuras gerações através da capacitação e formação de pessoas que posam ser multiplicadoras de conceitos, práticas e reconhecimento dos patrimônios em seus ambientes sociais.
Por tudo isto, nunca abandonamos a missão de propor projetos na área através da realização de minicursos patrimoniais e outras ações junto a professores, agentes culturais, estudantes de graduação e demais interessados, principalmente na capital João Pessoa - por ser a cidade que agrega as sedes dos principais órgãos de proteção, que nos últimos anos sofreram grande desfalque e imobilidade em suas ações.

Cientes de que da melhor maneira possível buscamos contribuir com esta lacuna de investimento contínuo na área da educação patrimonial, sentimos orgulho por realizar atividades junto a escolas, instituições, comunidades e sociedade em geral, mas também sabemos que tais ações necessitam ser retomadas de forma mais ampla e contínua, pois quando se trata da memória cultural de um povo, se não for exercitada acaba por se tornar esquecida.

Em nossos trabalhos seguindo orientações do ‘Guia Básico da Educação Patrimonial’ publicado pelo IPHAN, prezando pela aplicabilidade de atividades fruto de um processo sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo, a partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura (HORTA, GRUMBERG & MONTEIRO, 1996).

Assim permaneceremos com o levante da bandeira da preservação do nosso Babau e, ampliando nossas parcerias, trabalhando em conjunto com antigos e novos representantes de patrimônios culturais imateriais reconhecidos em nosso estado a fim de unir forças na luta permanente pela manutenção de mestres, brincantes e fazedores culturais do teatro de bonecos, ciranda, coco de roda, cordel, hip hop e muitos outros que compõem a história cultural da Paraíba.

 

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