Colaboradores

domingo, 23 de agosto de 2015

Teatro de bonecos – Tocar, sentir, ouvir e imaginar


Uma experiência de olhares

A Cia Boca de Cena tem como objetivo pesquisar e difundir a arte do teatro de bonecos em suas formas, práticas e possibilidades, atentando para processos coletivos artísticos e didáticos. 
Neste contexto, relataremos um pouco sobre nossas experiências de apresentar espetáculos para públicos específicos formados principalmente por pessoas cegas ou com alguma deficiência visual.

A forma como pensamos, fizemos e aprendemos

Nossas pesquisas em relação à acessibilidade no teatro de bonecos surgiu no início dos anos 2000, quando a Cia tinha sua Sede situada em uma sala nas dependências da Fundação Espaço Cultural, na cidade de João Pessoa.
Lá desenvolvíamos o projeto Centro de Pesquisa e Difusão do Teatro de Bonecos do Estado da Paraíba onde eram ofertados ao público, cursos de confecção e manipulação de bonecos, apresentações e consultorias em arte. 
 Além disso, mantínhamos uma exposição permanente chamada “Viver Bonecos”, em que os visitantes podiam agendar suas visitas e participar de uma vivência mediada pelo grupo Boca de Cena, sobre a diversidade do teatro de animação.
Durante a vigência do projeto recebemos inúmeros grupos, entre eles crianças, jovens e adultos. Porém um deles foi surpreendente e desafiador para toda equipe, os alunos do Professor Marcos Lima membro do Instituto dos Cegos da Paraíba. 
A partir dessa experiência começou nosso trabalho de pesquisa sobre acessibilidade com teatro de bonecos.

1ª Experiência

Antes da visita a Sede da Cia marcamos uma reunião com o Professor Marcos e lhe pedimos ajuda, na tentativa que o mesmo nos ensinasse a trabalhar melhor com seus alunos, pois nunca tínhamos tido qualquer vivência com este público específico. Ele então, nos deu algumas dicas em relação as apresentações teatrais:
·         Ao entrar em cena descreva o personagem, diga quem é você, como se veste, a cor do cabelo, sua altura, etc.
·         Fale pausadamente e, ao sair de cena, diga que saiu e para onde vai;
·         Evite silenciar, explique e descreva.

Enfim o dia da visita chegou e, nessa época (por volta de 2003), participavam da Cia Boca de Cena Artur Leonardo, Amanda Viana e Grace Matias, mas estavam presentes naquele momento apenas Artur e Amanda.
            O grupo de visitantes era formado por crianças, adolescentes e adultos todos estudantes do Instituto dos Cegos da Paraíba – Adalgisa Cunha.

           Como fizemos

          Primeiro fizemos uma vivência sensorial por toda a exposição, onde os alunos puderam tocar nos bonecos expostos, ouvindo as explicações de Artur sobre as formas de confecção, as origens e as formas de manipulação de cada peça tocada.
          Logo após, levamos o grupo à frente de nossa tenda (teatro/empanada) e fizemos uma breve explicação sobre o que eles iriam “assistir”. Entramos na empanada e começamos o espetáculo seguindo as orientações do Prof. Marcos sobre a nossa “audiodescrição”.
            Ao final do espetáculo, saímos com os bonecos em nossas mãos e nos dispusemos em frente à empanada para que cada pessoa, uma por uma, pudesse tocar nas personagens que fizeram parte da história e também na tenda, identificando o espaço, altura e textura do material. Terminada esta etapa, sentamos em círculo e conversamos sobre toda vivência coletiva.

         2ª Experiência
        Anos depois repetimos esta mesma atividade indo ao Instituto, ou seja, o teatro foi ao encontro dos alunos e o objetivo dessa vez foi trabalhar o teatro de bonecos dentro do espaço físico  compartilhado por crianças cegas. 
         Ao chegarmos ao local a euforia foi enorme, a expectativa do reencontro era grande para ambas as partes, que também era alimentada pela curiosidade de alguns alunos em conhecer o pequeno Gabriel, pois da primeira vez eu (Amanda) estava grávida e eles lembraram dessa situação e queriam conhecer a criança, que foi acarinhada e incluída naturalmente ao meio das crianças do Instituto.
            Já em relação ao trabalho a ser realizado, neste além do espetáculo teatral apresentamos aos alunos o processo de confecção dos bonecos, fazendo com que eles vivenciassem todo o processo de preparação da matéria prima e confecção de um boneco propriamente dito. 
           Eles participaram do passo a passo da confecção de um boneco e  em seguida, assistiram a uma apresentação de teatro de bonecos com “audiodescrição de improviso teatral”.

O que sentimos
Para nós, a primeira experiência foi um tanto quanto nervosa, inicialmente não sabíamos se estávamos fazendo certo e se eles estavam realmente entendendo o que queríamos dizer e passar, éramos muito jovens e a insegurança natural para equipe
Contudo as duas ações nos fizeram compreender melhor as pessoas cegas, suas necessidades e principalmente as dificuldades de comunicação existentes entre as pessoas que possuem visão e as que não possuem.
 No âmbito técnico aprendemos muito sobre a importância do ouvir e do preenchimento sonoro em uma ação dramática, pois as cenas que tinham efeitos, sons, músicas e palavras proporcionaram uma melhor compreensão por parte do público. Além disso, o que eles conseguiram perceber em relação às pessoas que enxergavam foi fantástico, pequenos detalhes como entradas corridas e lentidão de falas tinham sentidos novos e bem mais fortes.

Tocar, sentir, ouvir e imaginar


             No último dia 19 de Agosto de 2015 realizamos mais uma ação junto ao Instituto dos Cegos da Paraíba, ampliamos a atividade e convidamos outros artistas de teatro para participarem, numa tentativa de discutirmos e trocarmos experiência sobre acessibilidade na cultura.

           Assim que recebemos o convite fomos à Instituição conversar com os dirigentes e fazer o reconhecimento do espaço, identificamos algumas mudanças estruturais e administrativas, mas tudo fluía muito tranquilo, o Prof. Marcos Lima continua à frente de algumas ações e agora coordena o Ponto de Cultura no qual o espaço também se transformou.
      Conversamos com todos e organizamos a atividade em três ações: Vivência sensitiva, apresentação teatral e roda de conversa com a equipe Boca de Cena, professores, alunos e convidados.
            Enquanto tudo ia se organizando, passei a pesquisar sobre os grupos de teatro paraibano que tivessem afinidade com esta prática de trabalho, foi quando lembrei que no edital Myriam Muniz de Teatro, Funarte/MINC 2014 previa um plano de acessibilidade e o Grupo de Teatro Osfodidário tinha sido selecionado.
            Encontrei no blog do grupo um texto e fotos sobre o projeto “Sons e Sentidos: Circulação do Espetáculo Quincas”, onde eles propõem uma vivência sensitiva com pessoas cegas (http://osfodidario.blogspot.com.br/). Resolvi entrar em contato com Ana, uma das integrantes do grupo, e convidei-a para participar de nossa ação.
           Na Cia Boca de Cena passamos a planejar a parte didática de nossa atividade. Eu, Artur, Thaisy e Valério separamos matéria-prima, bonecos, massa de papier maché e tudo que iríamos precisar ou, pelo menos, achávamos que iríamos usar.
            No dia 19 de Agosto, às 9h30, demos início ao processo. Com a ajuda dos professores do Instituto, levamos os alunos para uma sala (que tinha sido preparada antecipadamente para recebê-los), com cadeiras em organização circular, mesa com material a ser explorado no centro, tenda de bonecos em posição frontal e a sala com uma caixa de som na lateral.
           Os dirigentes falaram sobre a importância da atividade, da parceria com a Cia Boca de Cena e em seguida começamos.
A turma de alunos participantes tinha uma faixa etária mista, de criança a idosos e isso dificultou um pouco, pois o tempo de cada um na experimentação era diferente. Sentimos que as crianças precisavam de mais tempo e sensações de medo, euforia e curiosidade se misturavam a cada elemento tocado.

                     
O Professor Marcos nos sugeriu que adiantássemos o processo, fazendo a vivência tátil da matéria prima com todas as crianças e escolhendo apenas alguns adultos para essa parte do trabalho.
Depois pegamos algumas personagens da história que ia ser apresentada e colocamos em nossas mãos (com ajuda dos professores), passando por todos os presentes, falando e descrevendo quem eram aquelas figuras.
Terminada esta etapa, entramos na tenda e começamos a apresentação do espetáculo e dessa vez, com mais experiência nos áudios, descrevemos melhor e tudo funcionou perfeitamente. Afirmamos isto pela incrível interação de todos, pois o trabalho de vivência anterior à apresentação possibilitou um melhor entendimento e reconhecimento das personagens por parte do público.
Ao final saímos da empanada e trouxemos ao público três personagens que eles ainda não tinham tocado, fizemos uma surpresa. As crianças se surpreenderam com o tamanho do “Coelho Banzé” e a admiração por ele foi enorme.



A Roda de Conversa

Como falado anteriormente, convidamos algumas pessoas de teatro para participarem da atividade e depois conversarmos a respeito. Dos convidados estiveram presentes Ana e Odécio do Grupo Osfodidário e foi muito bom tê-los na nossa ação.
Eles não viram o início do processo, mas assistiram a apresentação e juntos (Cia Boca de Cena, Osfodidário e Instituto dos Cegos) dialogamos sobre nossas dificuldades e vontades em trabalhar com teatro de forma acessível a todos.
Uma das coisas apontadas foi a facilidade que um trabalho rico em improvisação pode dar para a audiodescrição em cena teatral, diferente de um trabalho que tem um texto a ser seguido como no espetáculo “Quincas”, por exemplo.
No caso da Cia Boca de Cena temos um roteiro de ação com o qual podemos brincar e interagir com o público sem perder o fio condutor do espetáculo. O espetáculo permite uma liberdade que o teatro clássico não oferta.
Outra questão em relação à audiodescrição no teatro diz respeito à educação do próprio público ao que é proposto, pois segundo Ana “o profissional que descreve a peça para a pessoa cega, precisa falar o que está acontecendo e o público que não é cego e está no mesmo ambiente muitas vezes se mostra incomodado com as conversas (transcrições)”.
No teatro de bonecos, nós mesmos fizemos a audiodescrição durante todo o desenrolar da peça e as pessoas são integradas ao contexto de forma muito espontânea.
Ana fez uma consideração interessante, como apresentamos duas histórias, ela nos relatou que assistiu a segunda de olhos fechados com o intuito de “assistir” o espetáculo da mesma forma do público. De acordo com ela foi possível ver tudo, apenas em algum momento ficou sem entender por um silêncio que aconteceu!
Este “silêncio”, nos fez refletir mais uma vez sobre a necessidade de preenchimento sonoro. É necessário descrever, falar algo e evitar o silenciar da ação dramática.
Em relação ao espetáculo apresentado (Colcha de Retalhos), foi avaliado pelos professores da Instituição como ótimo, muito rico em sons, ações dinâmicas e cotidianas que facilitaram o entendimento do público. É importante ressaltar que, quanto mais a linguagem estiver próxima da vida real deles, mais fácil é a absorção do conteúdo.
Dessa vez aprendemos que uma ação como esta precisa ser organizada com tempos diferentes e damos algumas dicas:
·         O tempo estimado para a vivência deve ser pensado de acordo com a maturidade do público;
·         A quantidade de pessoas para as atividades sensoriais devem ser quantificadas de acordo com o número de mediadores;
·          Um público misto, em termos de idade, pode provocar algumas situações delicadas entre interpretações de contextos, por isto é importante ter controle da linguagem falada;
·         Em caso de apresentações em instituições é bom fazer uma visita prévia e conversar com os dirigentes, saber quem é o público, quais as dificuldades mais comuns, o que gostam de fazer;
·         É importante nos espetáculos explorar a sonoridade de forma ampla, fazer usos de objetos cotidianos, etc.

Depois das experiências com os deficientes visuais, continuamos as ações com públicos diferentes e apresentamos para crianças com síndrome de down, autistas, deficientes mentais, paralisia cerebral, entre outras especificidades. E ressalto que todas foram satisfatórias e instigadoras para futuras pesquisas.
Mas confesso que não é fácil se fazer entender, não existe receita e a cada vivência que temos buscamos nos adaptar e a recriar possibilidades, para que todos se divirtam e compreendam o que estamos mostrando. 
 O público é norteador das ações ele nos guia por onde devemos andar, além  é claro dos profissionais da área da acessibilidade que já estão aptos a resolver determinadas situações nas quais nós ainda estamos inseguros.
Hoje compreendemos melhor nossos limites e podemos afirmar com convicção que é possível fazer diferente sem perder a essência artística e a qualidade técnica, porém, é necessário mais discussões e trocas de experiências. Sentimos que muitos grupos ainda têm medo de errar e colocar em risco o sucesso de seus trabalhos, existe uma cobrança forte e positiva a respeito da acessibilidade, mas as oportunidades de aprendizagem para nós artistas, principalmente da área de teatro, ainda não acontecem, pelo menos aqui na Paraíba.

Enfim, estamos construindo possibilidades e agradecemos a todas as pessoas que participaram desta ação, pela presença e pela contribuição de seu tempo e suas palavras. Seguimos em frente com nossa pesquisa com o desejo que mais pessoas e grupos possam ampliar o acesso de todos aos seus trabalhos artísticos.

Amanda Viana – Cia Boca de Cena

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Espetáculo "Iê Malungo", sob a ótica pedagógica de um professor de história

Foi com muito prazer que a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Antônio Gomes, Conjunto Mario Andreazza – Bayeux, recebeu como parte da programação da semana cultural da escola o espetáculo Iê Malungo, da companhia de Teatro de Bonecos Boca de Cena. Espetáculo muito rico em elementos da cultura popular, principalmente nordestina. 
Do ponto de vista histórico, foi muito interessante a questão da história oral, ou seja, o diálogo presente entre o Mestre e a criança, que literalmente viaja na narrativa das danças populares, tais como: Capoeira, Coco, Ciranda, ala ursa, confecção de instrumentos, entre outras culturas presentes no cotidiano que se não forem repassadas aos mais novos correm um sério risco de paulatinamente serem esquecidas. 
Reconhecer e valorizar a cultura Popular é um dever da sociedade, e dentro da encenação isso fica bem definido, principalmente com a preocupação do Mestre em passar seus conhecimentos aos mais jovens, dessa forma vejo que é de extrema necessidade o respeito e a valorização da cultura popular. 
Com uma plateia de aproximadamente 300 alunos o espetáculo foi muito bem recebido, os alunos interagiram o tempo todo demonstrando curiosidade com a manipulação dos bonecos. Outro detalhe importante é como os artistas e os bonecos ficam em cena, pois como os artistas são visualizados com os bonecos sem necessariamente a preocupação de esconder a manipulação dos mesmos os alunos perceberam como o trabalho é realizado.
Assim podemos afirmar que a proposta pedagógica do espetáculo, favorece a construção de um aprendizado aos jovens envolvidos nesse processo ensino-aprendizagem, e foi com esse objetivo que a escola fez o convite ao grupo Boca de Cena, pois acreditamos que a escola tem que fazer a sua parte, embora não se possa esperar que ela cumpra sozinha uma missão que é de toda sociedade.


Vandeilton Gonçalves