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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Aquela velha esperança

Eu conheci a esperança ainda na infância. Quando pequena, minha mãe me deixava aos cuidados dos meus avós paternos em uma casa que só tinha adultos; a pessoa mais nova era um Tio que tinha uma diferença de idade comigo de cinco anos. Então, sempre fui muito sozinha e tinha que me virar pra aprender muitas coisas, inclusive criar formas de me divertir sem a intromissão dos adultos.

Um dia, porém, eu estava muito triste porque era véspera de Natal e todos daquela casa de Vó estavam com seus pais e mães, primos e primas, vizinhos, conhecidos... menos eu.

Foi quando fiquei olhando para uma estrela bem longe e ouvi do outro lado da cerca alguém chamando:

- Psiu, psiu!

Era a Esperança; foi impressionante! Ao primeiro momento tive um susto daqueles, pois de onde tinha saído aquela criatura?

Ela era mais velha do que eu e aparecia como de um lugar encantado. A Esperança me ensinava a não comer pimenta; a fugir de vez em quando pra brincar na rua; a conhecer outras crianças que moravam por perto e minha Avó nunca me deixava brincar com elas, além de ver as brincadeiras dos meninos que, diga-se de passagem, eu muitas vezes achava um horror aquele negócio de ‘brincar de briga’.

Os anos se passaram, eu ganhei um irmão que rapidamente foi embora e nem teve tempo de crescer. Depois veio outro e este cresceu junto comigo.

Acabou minha infância, mudamos de casa e perdi totalmente o contato com a Esperança. Nunca soube o que tinha acontecido com ela e às vezes me punha a pensar se aquela pessoa realmente existiu ou era coisa da minha imaginação.

Daí, neste ano tão difícil, comecei a remexer a minha mala de memórias e encontrei um fio de esperança, um fio de lembranças que me fez tomar a decisão de procurar a minha melhor amiga.

Resolvi voltar à rua que morei quando criança e procurar algo que me levasse até ela. Conversei com os ainda moradores do lugar. Alguns me disseram lembrar que realmente tinha existido alguém com aquele nome, mas o que se sabia é que ela tinha ido embora e que passou a ser vista pelas ruas da cidade junto aos moradores de rua.

Eu voltei para casa com milhões de sentimentos e decidida a encontrar Esperança. Durante dias e noites minha vida virou de cabeça para baixo, pois se tornou uma saga encontrá-la.

Passei a olhar cada centímetro da cidade como se estivesse procurando uma agulha no palheiro, uma observação cuidadosa sobre onde e com quem poderia estar a Esperança.

Na minha procura alucinada vi muitas pessoas na rua, embaixo das marquises dos grandes prédios públicos, em caixotes de papelão dormindo ao relento em frente de lojas de alto padrão com voluntários doando sopas e cobertores, crianças com barrigas cheias de verminoses e catarro descendo pelo nariz, além de uma infinidade de animais famintos e doentes que remexiam os lixos das ruas.

Eu não encontrei a Esperança!

Voltei a refletir e me questionar: será mesmo que ela existiu?

Em um dia domingo, saí ao meio da tarde e parei em frente a uma das praças mais bonitas e arborizadas de minha cidade. Sentei em um banco e uma calmaria me envolveu, fechei os olhos e me permiti sentir os cheiros, sons e temperatura daquele momento.

Quando abri os olhos vi que, um pouco à frente de mim, estava uma senhora de cabelos brancos, mexendo nos canteiros da praça. Ela organizava e cheirava as flores, parecia estar conversando com as plantas. Eu fiquei quieta por um tempo só observando todo aquele movimento e achei aquela figura muito familiar.

Resolvi me aproximar e conversar com ela, mas a senhorinha não me deu atenção; continuou seu diálogo com as flores... até que ela parou, olhou para mim e deu alguns passos para o lado trazendo um tripé daqueles que os artistas plásticos usam para colocar suas telas. Em seguida ela fez o mesmo movimento e trouxe consigo uma pequena tela, pôs no tripé e com um pequeno pincel começou a pintar.

Eu fiquei muito curiosa, mas respeitei o que se passava e não ousei me mexer por nenhum minuto. No fundo eu sabia que tinha encontrado quem eu tanto procurava. Porém, agora ela estava diferente e eu não conseguia mais me comunicar com minha amiga. Ela tinha perdido a fala e também não sei se ela me reconheceu já que, agora, eu não sou mais uma criança.

Depois de quase 30 minutos, ela olhou pra mim, sorriu e me mostrou sua pintura que continha a mensagem mais linda de toda minha vida:

Ainda há Esperança!

 Amanda Viana - Cia Boca de Cena

             Carinhosamente, produzimos esse curto vídeo para ilustrar esta história emocionante. Assistam!